Carol Proner,
Doutora em Direito Internacional. Professora da UFRJ. Integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Casos de lawfare contra apoiadores do ex-Presidente Rafael Correa e do chamado “correísmo” têm sido frequentes desde 2017 em episódios que mesclam denúncias de corrupção com parca instrução probatória e impugnação de candidaturas. Assim como no Brasil com a operação Lava Jato, as estratégias de abuso funcional envolvendo integrantes do sistema de justiça, procuradores e setores de outros poderes do Estado não foi incialmente detectada mas, com o passo do tempo, os abusos torna-se indisfarçáveis.
Com os últimos acontecimentos, ficam mais evidentes os abusos processuais com finalidade persecutória, além de flagrante constrangimento entre poderes e a condução das investigações e acusações contra Jorge Glas e Alexis Mera.
Jorge Glas, ex-vice-presidente da República do Equador (2013-2018), está preso desde 2 de outubro de 2017 acusado no chamado caso “Sobornos”. Enquanto era eleito vice-presidente, o companheiro de chapa do ex-presidente Lenin Moreno na lista do Alianza País, Jorge Glas ele foi detido sob custódia com base em provas muito tênues. O caso é controverso e a prisão reconhecidamente abusiva.
Nesta terça, dia 09, e pela segunda vez, o estado equatoriano impediu a libertação do acusado. Descumprindo ordem judicial, impediu a soltura de Glas. A ordem foi determinada por um juiz constitucional (juiz de garantias penitenciarias) e também levou em conta as condições de saúde do acusado.
O diretor do Centro de Reabilitação onde cumpre pena se recusou, sem maiores explicações, a cumprir a ordem de soltura e a secretaria de Comunicação do governo justificou o descumprimento afirmando que: “As instituições do Estado equatoriano apresentarão os recursos legais correspondentes e não tomarão nenhuma decisão de libertar qualquer cidadão que atente contra o ordenamento jurídico e contribua para a anarquia judicial para a qual alguns juízes tentam nos levar”, afirmou a secretaria de Comunicação.
O presidente Guillermo Lasso escreveu no Twitter que seu governo “não permitirá a corrupção no Equador”. Diante de tal situação de descumprimento de ordem judicial que denota absoluta falta de independência do poder judicial no Equador, Jorge Glass pode ser considerado tecnicamente sequestrado, um preso político dos tempos de lawfare de máxima intensidade.
Líderes internacionais, juristas e autoridades integrantes do Grupo de Puebla e do Grupo CLAJUD reagiram e denunciam o abuso de poder por parte do Presidente Lasso que, pela segunda vez, impede sua liberdade e interfere nas decisões do poder judicial, além de exigir cumplicidade do poder legislativo ao impor sua decisão à Assembleia Nacional.
Autoridades da União Europeia pressionam pelo cumprimento da decisão de liberdade e se pronunciam no mesmo sentido (Ver o trabalho de observação da “Veeduría Internacional Europea para vigilar el cumplimiento de beneficios penitenciarios a favor de Jorge David Glas”).
Outro caso que tem sido acompanhado por especialistas em temas de perseguição judicial é o de Alexis Mera, ex-secretário jurídico da Presidência de Rafael Correa e igualmente acusado no caso “Sobornos”.
Recentemente um ex-juiz nacional declarou, durante uma audiência ante o Conselho da Judicatura que o acusado Alexis Mera deveria ter sido posto em liberdade, mas que a Corte Nacional de Justiça (CNJ) optou por medidas alternativas para evitar um escândalo. Impossível não relacionar com o caso do Lula e o descumprimento do alvará de soltura em julho de 2018.
A declaração do ex-magistrado Edgar Flores é grave porque revela a falta de observância ao devido processo legal. A prisão decretada contra Alexis Mera foi pelo crime de concussão, que foi apelada pelos acusados. Quando o procedimento para resolver esse recurso no Tribunal de Justiça estava em andamento, o Ministério Público reformulou as acusações e retirou o crime de concussão; em vez disso, ordenou os crimes de suborno, associação ilícita e tráfico de influência. Apesar dessa mudança repentina na acusação, a prisão preventiva contra Mera foi mantida. Flores declarou, nesse sentido, que o que correspondia era “a liberdade imediata” do acusado, mas que, em vez disso, dispuseram “medidas alternativas”.
Edgar Flores ainda revelou que o verdadeiro motivo de sua destituição como juiz foi a revogação da prisão preventiva de Alexis Mera, e não por causa do processo de avaliação do Judiciário, uma vez que sua destituição ocorreu antes que os resultados da referida avaliação fossem conhecidos.
Estas revelações somadas à recente declaração do Presidente do Equador Guillermo Lasso expressando sua discordância e provável tomada de medidas para reverter a decisão de liberdade concedida em ordem de habeas corpus a favor de Jorge Glas denotam flagrante abuso de poder do chefe do executivo, além de comprometer absolutamente o sentido de independência judicial.
Entende que a democracia se baseia no respeito à independência judicial, o que pressupõe, em contrapartida, imparcialidade e independência, como elemento constitutivo da segurança jurídica, é imperativo que o que o ocorre no Equador seja de conhecimento amplo dado o forte impacto dos processos judiciais persecutórios não apenas nos direitos individuais e coletivos, mas na política vida das sociedades latino-americanas.